Introdução
A Reforma Tributária brasileira entrou definitivamente em sua fase de execução, e o debate público começa a migrar do campo político para o terreno prático da implementação. Entre as discussões mais esclarecedoras sobre o tema, destaca-se a live "REFORMA TRIBUTÁRIA: SAIBA TUDO O QUE MUDA NA PRÁTICA" do episódio “Fecha a Conta?” do Canal Conta Azul, conduzida por Bernard Appy, secretário extraordinário da Reforma Tributária, e Adilson Ruy, CEO da Ruy & Cecon e Embaixador Conta Azul.
O encontro, transmitido em 2025, trouxe uma leitura objetiva e didática sobre o processo de transição entre o atual sistema e o novo modelo de Imposto sobre Valor Agregado — formado pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
Durante a conversa, Appy e Ruy destrincharam as etapas que vão de 2026 a 2033, destacando o caráter progressivo da mudança, o papel central da contabilidade na validação de créditos e débitos, e a importância de as empresas se prepararem desde já para operar em um ambiente fiscal totalmente digital, baseado na apuração assistida e no pagamento centralizado previstos pela Lei Complementar nº 214/2025.
Mais do que uma simples substituição de tributos, a Reforma representa uma reconfiguração estrutural da relação entre o fisco, o contribuinte e a contabilidade — exigindo novos olhares sobre precificação, fluxo de caixa e compliance. Este artigo explora, com base nas explicações apresentadas na live e nos dispositivos da LC nº 214/2025, os principais marcos, riscos e oportunidades do período de transição rumo ao novo sistema tributário brasileiro.
1. Estrutura da Reforma, Transição e Papel da Contabilidade
Resumo textual com clareza e fidelidade
Felipe Hatab pergunta:
“A Reforma Tributária é a maior mudança nos impostos brasileiros em mais de meio século. O que isso significa na prática para o dono de negócio?”
Bernard Appy responde que:
- A reforma é uma mudança estrutural no sistema de tributação sobre produção, comercialização e consumo.
- O Brasil hoje tem um sistema fragmentado, com ICMS (circulação de mercadorias), ISS (serviços), PIS/Cofins (receita) e IPI (produtos industrializados).
- A Reforma extingue esses tributos e os substitui por um modelo de IVA dual (Imposto sobre Valor Adicionado):
- CBS — contribuição federal sobre bens e serviços.
- IBS — imposto de competência compartilhada entre estados e municípios.
Appy explica que:
- O novo modelo terá regras homogêneas: tudo que se vende gera débito, tudo que se compra gera crédito.
- O sistema tributará apenas o valor adicionado em cada etapa, reduzindo distorções e aumentando a eficiência econômica.
- O empresário deixará de organizar sua estrutura com base no imposto e passará a se organizar com base na eficiência produtiva real.
Adilson Ruy complementa que:
- Haverá desburocratização e simplificação do processo.
- O comprador exigirá nota fiscal correta para aproveitar créditos — o que elevará a exigência de conformidade.
- Prevê mudanças radicais de processos e melhoria na transparência fiscal.
Transição (2026–2033) explicada por Appy
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Ano |
Marco
principal |
Descrição |
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2026 |
Ano de teste |
Obrigações acessórias: nota
fiscal deve discriminar IBS e CBS, mas sem cobrança efetiva. Quem não
emite NF eletrônica deverá passar a emitir. |
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2027 |
Início da cobrança real |
Criação da CBS (IVA federal).
Redução de produtos sujeitos ao IPI (de ~4.000 para ~300). Início do Imposto
Seletivo, restrito a produtos nocivos (fumo, bebidas alcoólicas e
açucaradas, automóveis, embarcações, aeronaves e minerais). |
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2027–2028 |
IBS piloto (1%) |
Estados e municípios começam a
estruturar seus sistemas e arrecadar IBS a 1%. |
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2029–2032 |
Transição escalonada |
ICMS e ISS são reduzidos
gradualmente, enquanto a alíquota do IBS aumenta para manter neutralidade
de carga. |
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2033 |
Conclusão da transição |
Sistema antigo extinto;
vigência plena de CBS + IBS + Imposto Seletivo. |
- CBS (federal);
- IBS estadual;
- IBS municipal.
Créditos e regras de apuração
Appy destaca que:
- Tudo que for insumo da atividade econômica gerará crédito integral, inclusive energia elétrica, peças de reposição e materiais de escritório, que hoje sofrem limitações.
- Apenas bens de uso pessoal (ex.: carro para uso particular do diretor) não geram crédito.
- Empresas do lucro presumido migrarão para o regime não cumulativo, com direito a créditos.
- Permanecer como estão, sem recuperação de créditos, ou
- Optar por entrar parcialmente no sistema de CBS/IBS, mantendo o Simples apenas sobre lucro e folha, e transferindo créditos aos adquirentes.
- → Essa segunda opção tende a ser mais vantajosa para quem vende a contribuintes.
2. Como o novo sistema CBS/IBS afeta decisões empresariais e a função estratégica do contador
Explicação técnica:
a) Neutralidade do novo sistema (CBS/IBS)
- A fala de Appy reforça o princípio da neutralidade econômica do IVA (implementado pela LC nº 214/2025).
- No modelo atual (PIS/Cofins + ICMS + ISS), existem cumulatividades ocultas — certos créditos não são aproveitáveis, o que distorce decisões empresariais (como terceirizar, industrializar internamente, ou contratar serviços).
- O novo sistema CBS (federal) e IBS (estadual/municipal) elimina essa distorção, pois toda operação gera crédito.
- Assim, a decisão empresarial deixa de ser tributária e passa a ser puramente econômica e estratégica.
b) Papel estratégico do contador
- O contador passa a ser consultor de negócio, não apenas de apuração.
- Ele precisa dominar a cadeia de valor e o mix de produtos (NCM), pois a LC nº 214/2025 prevê tratamentos diferenciados por tipo de bem e serviço, inclusive reduções de alíquota e imunidades.
- O profissional precisará cruzar dados fiscais com dados de operação (ERP, estoques, fornecedores, margens).
c) Risco competitivo para o Simples Nacional
- No sistema atual, o Simples tem vantagem administrativa, mas gera cumulatividade quando vende para quem se credita (B2B).
- Com o IVA, isso fica mais explícito: quem compra do Simples não gera crédito.
- Logo, um fornecedor do Simples pode perder competitividade em cadeias B2B, pois o comprador preferirá adquirir de empresas sujeitas ao CBS/IBS, que permitem crédito integral.
- Daí a importância da análise estratégica de enquadramento tributário, feita produto a produto e cliente a cliente.
3. O crédito tributário no novo sistema CBS/IBS
Explicação técnica
a) Conceito de crédito tributário no IVA
- O crédito aqui não é financeiro, mas tributário — um direito de abater do imposto devido tudo que foi pago nas etapas anteriores.
- Essa é a essência do modelo de valor agregado (IVA) adotado na LC nº 214/2025, tanto para a CBS (federal) quanto para o IBS (estadual/municipal).
- Assim, o imposto não se acumula em cada etapa da cadeia, apenas sobre o valor agregado final.
b) Mudança para o regime não cumulativo universal
- O sistema atual (PIS/Cofins + ICMS + ISS) é híbrido: alguns setores têm crédito, outros não.
- No novo modelo, todos os contribuintes entram na não cumulatividade, o que simplifica a apuração.
- O cálculo básico passa a ser: Imposto a pagar = Débito s/vendas - Créditos s/aquisições
- Isso vale inclusive para empresas do lucro presumido, que hoje não têm direito a crédito de PIS/Cofins.
c) Desoneração das operações intermediárias
- Cada operação gera crédito para a etapa seguinte, eliminando o efeito em cascata.
- Apenas a venda ao consumidor final (que não se credita) representa arrecadação efetiva do tributo.
- É por isso que o IVA é chamado de imposto sobre consumo.
d) Exceções e regimes específicos
- Serviços financeiros: tributação sobre o spread; o tomador se credita do imposto pago.
- Construção civil e incorporação imobiliária: regime de transição e possibilidade de opção temporária pelo RET.
- Outros: combustíveis, loterias, saúde, educação, transporte.
e) Impactos econômicos
- O sistema elimina o incentivo a decisões tributárias irracionais (como evitar terceirização).
- Estimula eficiência produtiva, automação, terceirização racional e inovação em métodos construtivos.
- Reduz o “resíduo tributário” embutido nos preços.
4. Crédito no modelo atual x novo modelo
- Tudo o que a empresa compra (energia, equipamentos, serviços de apoio) não gera crédito;
- E quem contrata o serviço também não se credita desses tributos.
- Todos os contribuintes, inclusive lucro presumido, entram no regime não cumulativo;
- Tudo o que for utilizado na atividade econômica gera crédito;
- O crédito é transferido à etapa seguinte, de modo que cada débito gera crédito no elo seguinte.
Isso significa que o imposto só incide de forma definitiva na venda ao consumidor final, que não tem direito a crédito — essência do IVA.
Complemento pela LC 214/2025:
A LC 214/2025 consolida o modelo de não cumulatividade plena, encerrando discussões típicas do PIS/Cofins atual (como “insumo essencial” ou “relevante”).
5. Setores especiais: financeiro e construção
O trecho destaca dois setores tradicionalmente fora da cadeia do crédito:
- Serviços financeiros: bancos não geram crédito de PIS/Cofins e o tomador também não se credita;
- Construção civil/incorporação: não há crédito integral dos insumos.
No novo sistema, ambos passam a integrar o IVA:
- O banco tributa apenas o spread e o tomador tem crédito sobre o valor pago;
- A incorporadora pode creditar-se integralmente dos insumos e serviços;
- Isso induz eficiência econômica, estimulando o uso de materiais industrializados e estruturas pré-fabricadas, já que não há mais penalidade tributária para quem compra mais insumos.
6. Regime da incorporação e transição
O entrevistado confirma:
O RET (Regime Especial de Tributação da construção) será mantido temporariamente durante a transição, mas será extinto para novas obras.
Depois disso, todas as novas incorporações entram no regime de crédito e débito integral.
7. Fundamentos da Reforma e comparação internacional
Bernard Appy descreve três pilares do IVA moderno:
- Base ampla — não diferencia mercadorias, serviços ou direitos;
- Tributação no destino — o imposto pertence à jurisdição do consumo;
- Não cumulatividade plena — tudo o que é usado na atividade gera crédito.
👉 Isso elimina:
- A guerra fiscal entre Estados;
- O contencioso sobre o que gera crédito;
- A tributação de investimentos e exportações.
Efeitos econômicos esperados:
- Desoneração de investimento e exportação;
- Aumento de produtividade e do PIB potencial.
8. Split payment e fluxo de caixa
Adilson aborda o repasse automático (split payment):
O imposto será separado automaticamente na transação, indo direto à conta dos entes federados.
Impacto prático:
- O empresário não retém mais o imposto, reduzindo o “crédito de caixa” temporário;
- Pode haver descapitalização inicial, pois o valor do tributo sai no ato da venda;
- A gestão de fluxo de caixa torna-se essencial.
A LC 214/2025 confirma isso ao prever o Sistema de Arrecadação Centralizado, que recolhe e distribui automaticamente o IBS e a CBS.
9. Precificação e transparência
Os preços deverão ser sem tributo (“por fora”) — uma das maiores mudanças culturais.
- A alíquota total (ex: 28%) será acrescida ao preço líquido;
- O comprador saberá quanto paga de tributo e quanto é preço;
- Isso elimina o efeito cascata e traz transparência total na nota fiscal.
Isso facilita:
- A comparação de preços entre empresas;
- A conscientização do consumidor sobre a carga tributária;
- A precificação correta, evitando “canibalização” de margens.
10. Síntese prática da transição 2026–2033
Linha do tempo e fase de transição
Contexto falado:
“2026 é o ano teste da CBS e do IBS. 2027 já começa a ter a validação [...] quanto mais cedo o empresário começar a se planejar, melhor.”
💡 Orientação de Bernard Appy:
Empresas devem antecipar o planejamento, revendo:
- Estrutura de preços (de “por dentro” para “por fora”);
- Formação de custos com créditos novos (energia, serviços, insumos);
- Fluxo de caixa (pois o split payment altera a dinâmica de recebimento).
Precificação: do “imposto por dentro” ao “preço líquido” (trechos 89–90)
“Depois que o sistema tiver operando... o preço será sempre líquido de tributo.”
“O valor do imposto deverá ser destacado no documento fiscal.”
Isso muda a lógica:
- Preço líquido = valor do produto sem tributo;
- Imposto destacado = CBS + IBS, informado de forma transparente;
- Créditos são automáticos sobre tudo que for usado na atividade.
11. Documentos fiscais durante a transição
“Não vai ter parte de nota no sistema antigo e parte no novo. [...] As notas fiscais vão continuar as mesmas, só que conterão a informação de IBS e CBS.”
12. Dupla apuração e importância dos sistemas contábeis
“De 2029 a 2032 teremos dupla apuração: pedaço no regime antigo e pedaço no novo.”
Ou seja:
- As empresas precisarão apurar tributos nos dois sistemas;
- Os sistemas fiscais/ERPs devem estar preparados para lidar com dois conjuntos de regras simultâneos;
- A contabilidade passa a ser o eixo central da consistência tributária e cruzamento de dados.
⚠️ Adilson destaca um ponto essencial:
“Validar os códigos fiscais para não incorrer em crédito indevido ou débito devido.”
Ou seja, classificação fiscal correta (NCM, CST, CFOP) será determinante para não gerar inconsistências e autuações.
13. Escrituração contábil e conformidade
“Saldo de caixa negativo... isso agora é passível de multa, tá na lei.”
💡 Mensagem central:
- A contabilidade deixa de ser meramente declaratória;
- Passa a ter valor probatório direto na validação de créditos e débitos tributários;
- A Receita Federal utilizará a apuração assistida (art. 47, §1º) para cruzar notas, pagamentos e registros contábeis.
14. Split Payment e apuração assistida (trechos 99–103)
“Tudo com documento fiscal eletrônico... haverá apuração assistida. Fechou o mês, você recebe sua apuração pronta.”
💡 Na prática:
- O empresário receberá um “espelho da apuração” para conferência;
- O contador atuará de forma consultiva e estratégica, e não mais apenas operacional;
- O pagamento é automático, reduzindo sonegação e inadimplência.
15. Lucro presumido, planejamento e papel do contador
“O lucro presumido não acabou... o que muda é entender se a margem real é superior ou inferior à presunção.”
Assim:
- O lucro presumido continua existindo;
- Mas todos os contribuintes estarão sujeitos à CBS e IBS não cumulativos;
- A escolha entre lucro real e presumido passa a ser estritamente financeira e contábil.
O contador assume papel de consultor estratégico para:
- Calcular margens reais x presumidas;
- Otimizar estrutura societária;
- Garantir compliance tributário integral.
16. Desburocratização e igualdade concorrencial
“A reforma não veio para aumentar tributo. Veio para simplificar. [...] O pequeno e o grande empresário estarão na mesma regra do jogo.”
💡 Resultado:
- Redução de distorções;
- Fim da guerra fiscal;
- Competição baseada em eficiência e qualidade, e não em benefícios tributários.
17. Encerramento
Os convidados encerram destacando:
- A necessidade de entendimento integral da Reforma, não apenas no consumo, mas também nos eixos de renda, patrimônio e folha;
- O papel do empresário em acompanhar as mudanças de compliance tributário;
- E a expectativa de melhor uso dos recursos públicos com maior transparência.
Considerações Finais
A Reforma Tributária brasileira, conduzida sob os pilares da Lei Complementar nº 214/2025, marca uma das transformações mais profundas já vistas no sistema tributário nacional. O novo modelo de IVA dual — CBS e IBS — visa não apenas simplificar a tributação sobre o consumo, mas também alinhar o Brasil às melhores práticas internacionais, promovendo eficiência econômica, neutralidade e transparência fiscal.
A live “Fecha a Conta?”, com Bernard Appy (Secretário da Reforma Tributária) e Adilson Ruy (CEO da Ruy & Cecon), mostrou com clareza que a mudança não se resume a novas siglas ou sistemas: trata-se de uma revolução cultural e operacional. A nova lógica de precificação líquida de tributos, a apuração assistida e o papel estratégico do contador consultivo evidenciam que o período de transição (2026–2032) será um verdadeiro laboratório de adaptação, aprendizado e ganho de competitividade.
O diálogo destacou ainda que a simplificação tributária não significa menos responsabilidade — pelo contrário, exige planejamento, governança e capacitação. O profissional contábil emerge como um ator central nessa nova fase, sendo o elo entre a gestão empresarial e a conformidade fiscal.
Por fim, este artigo — construído a partir da transcrição e análise técnica da referida live — foi estruturado com o apoio de ferramentas de inteligência artificial, como ChatGPT (para interpretação e redação técnica) e NoteGPT (para segmentação, extração e organização dos trechos originais). Essa integração entre tecnologia, conhecimento técnico e colaboração humana reflete o próprio espírito da Reforma: modernizar para simplificar.
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