INTRODUÇÃO
A Reforma Tributária brasileira, consolidada pela Emenda Constitucional nº 132/2023 e pela Lei Complementar nº 214/2024, representa um dos maiores marcos da modernização fiscal do país desde 1965. A partir de debates conduzidos por Bernardo Appy, secretário extraordinário da Reforma Tributária, e Fernando Mombelli, gerente do programa de regulamentação, no primeiro episódio da série Diálogos — Entendendo a Reforma Tributária - Normas constitucionais, é possível compreender com mais clareza as bases conceituais e os impactos práticos dessa transformação.
Entre os temas centrais discutidos estão o princípio da neutralidade tributária, a não cumulatividade plena e a tributação no destino, pilares que buscam eliminar distorções econômicas, simplificar o sistema e tornar o ambiente de negócios mais competitivo. Esses conceitos aproximam o modelo brasileiro do padrão internacional de Imposto sobre Valor Adicionado (IVA), unificando regras e ampliando a transparência para empresas e consumidores.
Para a elaboração desta análise extraímos os principais trechos da live utilizando ferramentas de Inteligência Artificial, como ChatGPT e NoteGPT, que auxiliaram na transcrição, organização e interpretação técnica do conteúdo, garantindo fidelidade às falas originais e clareza na explicação dos conceitos.
O resultado é uma leitura que combina a voz dos especialistas (em que você pode constatar assistindo a live) com a interpretação técnica, oferecendo um panorama completo das normas constitucionais que estruturam a nova tributação sobre o consumo no Brasil.
Bloco Introdutório
Análise técnica – contexto jurídico e institucional
- A criação de um sistema de competência compartilhada entre União, Estados, DF e Municípios;
- O novo tributo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) será administrado conjuntamente por todos os entes, sob coordenação de um Comitê Gestor Nacional, com participação paritária de estados e municípios;
- A Receita Federal, por sua vez, manterá a competência sobre a CBS, que é federal, mas atuará de forma integrada com os sistemas estaduais e municipais — daí a importância de alinhamento institucional.
A espinha dorsal do novo federalismo fiscal brasileiro
Análise técnica – fundamentos e implicações constitucionais
- Ambos os tributos terão mesma base, mesmas regras de não cumulatividade e créditos amplos;
- A CBS será federal, enquanto o IBS será subnacional, com gestão compartilhada.
- A Constituição cria um Comitê Gestor Nacional do IBS, órgão colegiado que representará Estados e Municípios de forma paritária;
- Este comitê terá competências para editar normas complementares, gerir a arrecadação, centralizar compensações e uniformizar interpretações jurídicas.
- É o fim do “federalismo de guerra fiscal”: Estados e Municípios perdem autonomia para legislar individualmente sobre alíquotas ou benefícios e passam a atuar em conjunto, buscando harmonia e simplificação.
- A Receita Federal fiscalizará e arrecadará a CBS, mas poderá atuar em cooperação com o Comitê Gestor do IBS.
- Um ato fiscal único poderá produzir efeitos para ambos os tributos, evitando duplicidade de autuações e litígios.
- Essa integração exigirá interoperabilidade de sistemas, padrões de dados e governança conjunta — algo inédito no sistema tributário brasileiro.
- O federalismo “competitivo” (onde cada ente disputa base tributária) tende a ser substituído por coordenação institucional e repartição automática de receitas.
- Isso se aproxima de modelos de IVA adotados em Canadá, União Europeia e Índia, citados em estudos do próprio Appy.
Definição das alíquotas, da neutralidade da carga tributária e da integração operacional entre fiscos.
Análise técnica – fundamentos constitucionais e operacionais
- O novo sistema busca neutralidade arrecadatória, garantindo que a soma das alíquotas da CBS e do IBS mantenha a mesma carga tributária média atual.
- Essa neutralidade será certificada pelo TCU, evitando que a Reforma se torne um aumento disfarçado de tributos.
- Estados e Municípios continuam podendo definir suas próprias alíquotas, mas com regra de uniformidade interna: ➜ mesma alíquota para todos os bens e serviços no território do ente.
- Isso elimina o instrumento clássico da guerra fiscal (benefícios seletivos, isenções e reduções por setor).
- A CBS terá uma alíquota nacional única (definida pela União);
- O IBS terá alíquotas individualizadas por ente, mas com base comum nacional, administrada pelo Comitê Gestor do IBS.
- O contribuinte, ao emitir um documento fiscal, verá o somatório (CBS + IBS), e o sistema fará a distribuição automática da receita entre União, Estados e Municípios.
- O novo modelo prevê:
- Cadastro unificado (CNPJ, CPF, Cadastro Imobiliário);
- Portal de fiscalizações compartilhadas;
- Documentos fiscais padronizados (NF Nacional);
- Apuração centralizada e automatizada.
- Essa infraestrutura digital é essencial para viabilizar a gestão cooperativa e a transparência federativa.
- O desenho operacional buscará que o contribuinte perceba uma apuração única, com saldos de créditos e débitos integrados.
- Isso reduz custos de conformidade e simplifica o fluxo contábil e fiscal das empresas.
Os princípios estruturantes da Reforma Tributária
“Princípio da neutralidade e base ampla”
1. O que é o princípio da neutralidade
Bernardo Appy explica que:
- O princípio da neutralidade (art. 2º da LC 214/2024) significa que o tributo não deve distorcer decisões de produção ou de consumo.
- Ou seja, o sistema tributário deve permitir que as empresas escolham a forma mais eficiente de produzir (terceirizar, internalizar, automatizar etc.) sem que o tributo interfira nessa escolha.
- Um tributo neutro é aquele que:
- É plenamente não cumulativo (ou seja, gera crédito em todas as etapas);
- Tem alíquota uniforme, sem variações por setor ou produto.
Exemplo dado por Appy:
- No sistema atual, o ISS é cumulativo: incide sobre cada etapa sem gerar crédito.
- Se uma empresa terceiriza parte do serviço, paga mais imposto do que se fizesse internamente — ou seja, o tributo distorce a decisão produtiva.
- No novo modelo (IBS/CBS), isso não acontece, pois o crédito é integral.
2. A nova não cumulatividade plena
- Hoje, tanto o ICMS quanto o PIS/Cofins possuem vedações parciais de crédito — gerando complexidade e contencioso.
- Exemplo: energia elétrica usada em supermercado → hoje não dá crédito de ICMS, embora seja essencial à atividade. (Uma observação nossa: um dado importante aqui é que, empresas de regime normal em Estados, como o de São Paulo, por exemplo, podem tomar crédito de energia elétrica dentro de um regramento estabelecido por norma legal, desde que seja acompanhado e atestado por laudos técnicos).
- Exemplo: serviço de publicidade → não gera crédito de PIS/Cofins para quem contrata.
- No novo modelo:
- Tudo dá direito a crédito, exceto bens e serviços de uso e consumo pessoal.
- Isso elimina o debate sobre “insumo” e “essencialidade” — tudo o que é usado na atividade empresarial dá crédito, desde que não seja uso pessoal.
📌 Exemplo prático:
- Um automóvel do diretor usado também para fins particulares → não gera crédito.
- Um veículo de entrega ou para visitas técnicas → gera crédito integral.
3. Simplificação da apuração e créditos eletrônicos
- Como praticamente todas as entradas dão crédito, a apuração se torna automática e eletrônica.
- Bastará o apontamento do crédito na nota fiscal — o sistema fará o cálculo automaticamente.
- Isso elimina a necessidade de auditorias para verificar se o item é “essencial”.
4. A “base ampla” de incidência
Fernando Mombelli e Appy explicam que:
- A Constituição e a LC 214/2024 definem que IBS e CBS incidem sobre bens materiais, imateriais, direitos e serviços.
- Ou seja, acaba-se a antiga disputa entre o que é “mercadoria” (ICMS) e o que é “serviço” (ISS).
📘 Exemplo:
5. Relação com o princípio da neutralidade
- Essa base ampla + crédito amplo torna o sistema neutro, porque:
- Não incentiva uma forma específica de organizar a produção (ex.: alugar ou comprar bem);
- Não muda o comportamento de consumo (ex.: preferir um produto por ter menor carga).
Appy resume:
“Na neutralidade, a economia se organiza como se não houvesse tributação.”
A transição da tributação na origem para o destino e o fim dos benefícios fiscais e da neutralidade econômica
- Um sistema neutro permite que a economia se organize como se não houvesse tributo — isso gera mais produtividade e crescimento do PIB.
- No Brasil, sempre houve não neutralidade, principalmente por causa da tributação na origem do ICMS e do ISS, que gerou guerra fiscal e distorções produtivas.
- O novo modelo de tributação no destino elimina o incentivo para empresas mudarem de estado ou município apenas para obter benefícios fiscais, tornando o sistema mais eficiente e justo.
- Essa mudança também alinha o Brasil ao padrão mundial de IVA (Imposto sobre Valor Agregado).
Depois, Mombelli e Barreirinhas destacam:
- A transição do modelo ocorre gradualmente entre 2026 e 2033, com substituição progressiva de ICMS e ISS pelo IBS.
- A Constituição e a Lei Complementar vedam a criação de novos benefícios fiscais fora dos regimes específicos expressos.
- Os benefícios existentes terão avaliação quinquenal (a cada 5 anos) para medir sua efetividade.
- Há um mecanismo de calibração: se, em 2031, a soma das alíquotas projetadas da CBS e do IBS ultrapassar 26,5%, o Executivo deverá propor redução de tratamentos favorecidos para ajustar a carga tributária.
Explicação técnica e normativa
|
Tema |
Situação
atual |
Situação
após a Reforma |
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Tributação na origem |
Parte do ICMS e quase todo o
ISS são cobrados no local do prestador/produtor, distorcendo a
concorrência. |
Tributação no destino — o imposto é devido onde
ocorre o consumo, tornando o sistema mais neutro. |
|
Guerra fiscal |
Estados e municípios concedem
incentivos para atrair empresas. |
Será inviável, pois o
imposto vai para o destino. |
|
Neutralidade |
O sistema atual afeta decisões
de localização e produção. |
O novo modelo busca não
interferir nas decisões econômicas. |
|
Benefícios fiscais |
Diversos, concedidos via leis
estaduais/municipais. |
Somente os previstos na Constituição e em lei
complementar poderão existir (ex.: cesta básica, saúde, educação, transporte
coletivo). |
|
Avaliação quinquenal |
Inexistente. |
A cada 5 anos, os
benefícios serão revisados conforme indicadores de efetividade. |
|
Limite de carga |
Indefinido. |
Se a soma de CBS + IBS superar 26,5%,
o governo deve propor ajuste. |
|
Transição |
ICMS/ISS até 2032. |
Substituição progressiva:
ICMS/ISS reduzem 10% ao ano (2029–2033); IBS cresce na mesma proporção. |
A visão institucional e os impactos esperados da Reforma Tributária
Bernardo Appy encerra dizendo que:
- Está muito satisfeito com o resultado, mesmo reconhecendo que a reforma é a “reforma possível” do ponto de vista político.
- O modelo aprovado simplifica enormemente o sistema tributário, mesmo com exceções.
- A não cumulatividade plena foi preservada — o crédito será garantido em todas as etapas, com exceções apenas marginais (como despesas pessoais em restaurantes e hotéis).
- A tributação no destino e a transparência permitirão que o cidadão saiba exatamente quanto paga de tributo para cada ente federado — algo impossível no sistema atual.
- Essa transparência deve estimular a “cidadania fiscal”, ou seja, o debate sobre a carga e o uso dos recursos públicos.
- A eliminação da cumulatividade e das distorções aumenta o PIB potencial em até 10 pontos percentuais no longo prazo, beneficiando famílias, empresas e o governo.
- O desafio agora é regulamentar e implementar o sistema, tarefa a cargo da Receita Federal e do Comitê Gestor do IBS.
Fernando Mombelli complementa dizendo que:
- Há orgulho institucional pela conquista, pois duas ou três gerações anteriores não conseguiram aprovar essa mudança.
- O sistema anterior, baseado na Emenda Constitucional nº 18/1965, foi sendo “remendado” ao longo dos anos, gerando distorções.
- O foco agora é detalhar a regulamentação conjunta entre União, estados e municípios, com base nos princípios de cooperação e transparência.
- Mais de 200 entidades foram convidadas a participar do processo de regulamentação colaborativa.
- Destaca ainda o PLP nº 108/2024, que organiza a gestão e governança do IBS, como o próximo passo crucial após a aprovação da EC 132/2023, PLP 68/2024 (CBS + IBS) e da LC 214/2025.
Efeitos assim esperados
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Tema |
Efeitos
esperados |
|
Reforma possível |
Sistema menos ideal que um IVA puro, mas politicamente
viável e amplamente simplificado. |
|
Não cumulatividade plena |
Fim da cumulatividade de PIS, Cofins, ICMS e ISS;
desoneração de investimentos e exportações. |
|
Tributação no destino |
Fim da guerra fiscal e redistribuição equitativa da
receita tributária. |
|
Transparência ao consumidor |
Cidadão saberá quanto paga para União, estados e
municípios. |
|
Cidadania fiscal |
Estimula debate sobre tributação de consumo x renda. |
|
Ganho de PIB potencial
(4–10%) |
Crescimento econômico via aumento de produtividade e
eficiência. |
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Governança federativa |
Gestão unificada do imposto, com decisões colegiadas e
transparência. |
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Participação social |
Processo participativo nas normas infralegais. |
Síntese final
A fala de Appy e Mombelli conclui o ciclo da reforma: de um sistema fragmentado, cumulativo e caótico para um modelo neutro, transparente e cooperativo.O foco agora é regulamentar, operacionalizar e comunicar — transformando a letra da Constituição em funcionamento efetivo nas empresas e na vida cotidiana.

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