Resumo — A Emenda Constitucional nº 132/2023 e sua regulamentação pela LC 214/2025 desenham um processo de transição para um novo modelo de tributação do consumo no Brasil entre 2026 e 2033. Este artigo reúne o que está formalizado, as propostas principais, e aplica à especial situação da água e da distribuição de água por caminhões-pipa, finalizando com recomendações práticas para empresas do setor.
1. O que já está aprovado: base constitucional e regulamentação infraconstitucional
A Emenda Constitucional nº 132/2023 constitui a base para a reforma do consumo: institui o imposto IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) como pilares, fixa princípios de transição, governança e prazo.
A LC 214/2025, publicada em 16 de janeiro de 2025, regulamenta de forma infraconstitucional as regras-matrizes desses novos tributos e define os livros, competências, incidência, regimes de transição.
Por exemplo:
- Art. 1º da LC 214/2025: institui o IBS e a CBS.
- Define “bem” e “serviço” para efeitos da incidência.
- Prevê cronograma escalonado de vigências: parte dos dispositivos a partir de 1º/01/2026; outros em 2029; outros em 2033.
- Estabelece regimes diferenciados, não-cumulatividade, repartição de receitas entre entes, e mecanismo de créditos.
Assim, a reforma já saiu da fase de proposta: há norma regulatória (LC 214/2025) que exige atenção imediata.
2. Principais elementos da LC 214/2025 que importam para quem comercializa ou distribui água
2.1 Novos tributos e competência
- A CBS terá competência da União.
- O IBS será de competência compartilhada entre estados, municípios e DF, aplicável a bens e serviços.
- A incidência recairá sobre operações onerosas de bens ou serviços (art. 4º da LC 214/2025).
2.2 Conceituação de bem x serviço
Para a LC 214/2025, considera-se “bem” a entrega ou disponibilização de bem material ou imaterial, inclusive direitos; e “serviço” tudo que não se enquadre como bem.
Isso é relevante para a atividade de caminhão-pipa: se for considerada “bem” (mercadoria, entrega de água) ou “serviço” (prestação de serviço de água).
2.3 Regimes diferenciados e exceções
A LC prevê regimes diferenciados ou específicos para determinados bens ou serviços, visando isenções ou alíquotas reduzidas.
Exemplos: no setor de saneamento, água de abastecimento público pode ter tratamento especial; no novo modelo, há previsão de devolução (cashback) para famílias de baixa renda em faturas de água, energia, telecomunicações.
2.4 Cronograma de transição
- A LC 214/2025 fixa que muitos dispositivos entram em vigência em 1º/01/2026; outros em 2029; outros em 2033.
- Assim, 2026 marca o início da fase prática da nova tributação de consumo.
2.5 Crédito tributário e não-cumulatividade
A nova lei reforça o princípio da não-cumulatividade ampla para IBS/CBS, permitindo crédito nos insumos, bens ou serviços utilizados na atividade tributada.
Também regula que exportações sejam imunes ao IBS/CBS e que créditos relativos a exportações sejam preservados.
3. Impactos para a tributação da água e especificamente da distribuição de água por caminhões-pipa
3.1 Situação atual
- A distribuição de água por caminhão-pipa é, nos estados, tratada como operação de circulação de mercadoria com incidência de ICMS (como no caso da RC 31780/2025 da SEFAZ-SP).
- O fornecimento de água canalizada por concessionárias públicas é tratado diferentemente (serviço público de saneamento) e pode ter tratamento especial (isenção ou não incidência de ICMS). Dado isso, há duas modalidades: (i) água canalizada (serviço público) e (ii) água entregue por caminhão-pipa (privada/mercadoria).
3.2 Como a reforma pode afetar
- Se a operação for considerada “bem” (como parece para caminhão-pipa), ela estará sujeita ao IBS/CBS, conforme a estrutura da LC 214. Ou seja: venda de bem (água) → incidência de IBS (estado/município) + CBS (união).
- Se for considerada “serviço”, então haverá incidência de IBS (serviço) e CBS, ainda que o hábito de emissão de nota de mercadoria deva ser revisto.
- Há possibilidade de regimes diferenciados: água é bem essencial, então pode haver regime especial ou alíquota reduzida (ou isenção) conforme a LC 214 prevê para bens essenciais.
- O direito ao crédito tributário dos insumos (água utilizada como insumo para outro bem/serviço) pode ser mantido no novo modelo, mas dependerá da apuração adequada segundo a LC 214.
- Os contratos de fornecimento, emissão de documento fiscal, campos de NF-e e obrigações acessórias devem ser revisados à luz do novo modelo (exemplo: definição de operação, base de cálculo, fato gerador, local da operação).
3.3 Cenários de atenção para caminhão-pipa
- Cenário A: A modalidade permanece como mercadoria com venda de água, tributada pelo IBS/CBS; adaptação relativamente direta.
- Cenário B: A modalidade é reconhecida como prestação de serviço (ou misto) e recebe tratamento diferenciado; exige revisão de forma de emissão de nota, registração e tributação.
- Cenário C: O legislador decide conceder tratamento especial para água em caminhão-pipa (isenção ou alíquota reduzida), considerando-se bem essencial ou serviço público; exige monitorar regulamentos e decretos específicos.
3.4 Exemplos práticos para operações
- Emissão de nota: será necessário distinguir se o documento será de mercadoria ou de serviço, e quais campos da NF-e/reportagem deverão contemplar IBS/CBS.
- Base de cálculo: a LC 214 define que a incidência abrange “operações onerosas com bens ou serviços”, portanto o valor da operação (contraprestação) será crucial.
- Local da operação: a LC 214 prevê que local do fato gerador será, em regra, o destino da operação (o local do consumidor final) — importante em operações interestaduais ou intermunicipais de caminhão-pipa.
- Aproveitamento de crédito: se a água fornecida for insumo para indústria ou comércio, será importante avaliar os créditos no novo modelo.
4. Recomendações práticas para empresas e prestadores no setor de distribuição de água por caminhões-pipa
5. Conclusão — o que acompanhar de perto
A LC 214/2025 representa o marco infraconstitucional que regulamenta a reforma do consumo no Brasil. Para o setor de água e especificamente para distribuição por caminhões-pipa, as principais incógnitas são: (i) como será qualificada a operação (bem ou serviço), (ii) quais alíquotas e benefícios serão concedidos à água/bem essencial, (iii) como estados/municípios vão definir o IBS, e (iv) como será o tratamento dos créditos e da cobrança.
A adaptação antecipada é vantagem competitiva. Operações tributadas sob o regime antigo (ICMS/mercadoria) precisam rever contratos, emissão e estrutura contábil para absorver ou mitigar os efeitos da transição para o IBS/CBS.
Em suma: o olhar técnico-tributário passa a ser parte da estratégia operacional do negócio de caminhão-pipa.


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