Introdução
A implementação da Reforma Tributária no Brasil, com a transição para o modelo de Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) entre 2025 e 2033, exige que empresas se preparem para novos cenários de compliance fiscal e comercial. Embora a Lei Magnitsky — originária nos Estados Unidos e replicada em outros países — não altere diretamente as alíquotas do IVA (CBS + IBS), seus efeitos indiretos podem afetar a apuração de créditos, a viabilidade de operações internacionais e a segurança jurídica nas cadeias de suprimentos. Este estudo busca analisar como regimes de sanções individuais por corrupção ou violações de direitos humanos podem impactar, na prática, a carga tributária líquida, o planejamento fiscal e o gerenciamento de riscos empresariais no contexto da Reforma Tributária brasileira.
A Lei Magnitsky (Magnitsky Act) é um instrumento jurídico criado originalmente nos Estados Unidos em 2012, após o caso do advogado russo Sergei Magnitsky, que morreu em uma prisão de Moscou em 2009 depois de denunciar um grande esquema de corrupção envolvendo autoridades do governo russo.
📌 O que é a Lei Magnitsky?
- Autoriza o governo dos EUA a impor sanções individuais contra pessoas envolvidas em violações graves de direitos humanos ou grandes casos de corrupção.
As sanções incluem:
- Congelamento de bens em território americano;
- Proibição de entrada nos EUA;
- Bloqueio de transações financeiras no sistema bancário americano.
📌 Expansão internacional
- Em 2016, os EUA ampliaram o alcance com a Global Magnitsky Human Rights Accountability Act, permitindo aplicar sanções a indivíduos de qualquer país.
Outros países aprovaram legislações semelhantes, como:
- Canadá (2017 – Justice for Victims of Corrupt Foreign Officials Act);
- Reino Unido (Sanctions and Anti-Money Laundering Act 2018);
- União Europeia (2020 – Regime Global de Sanções de Direitos Humanos da UE);
- Austrália (2021 – Autonomous Sanctions Amendment).
📌 Finalidade
- Tornar mais eficaz o combate a abusos de poder e corrupção transnacional.
- Permitir que democracias atuem contra agentes estatais e não estatais que, muitas vezes, ficam impunes em seus próprios países.
👉 Exemplo: Já foram sancionados sob a Lei Magnitsky políticos, juízes, militares e empresários de diversos países, incluindo Rússia, Mianmar, China, Venezuela e Arábia Saudita.
Lei Magnitsky – Possíveis impactos na Reforma Tributária (2025–2033)
Sumário executivo
Analisaremos como sanções do tipo “Lei Magnitsky” — isto é, sanções individuais por graves violações de direitos humanos ou corrupção — podem interagir com a implementação da Reforma Tributária no Brasil (EC 132/2023 e legislação infraconstitucional), entre 2025 e 2033. O objetivo é apoiar o setor comercial na gestão de riscos fiscais, aduaneiros e de compliance em cenários com contrapartes, países, setores ou beneficiários finais sob sanções estrangeiras ou eventualmente domésticas.
Nota: O Brasil, historicamente, internaliza principalmente sanções multilaterais (ex.: Conselho de Segurança da ONU). Ainda que não haja “Lei Magnitsky” brasileira em vigor, exposição indireta a regimes estrangeiros (EUA/UE/Reino Unido/Canadá etc.) é relevante via bancos correspondentes, cadeias de suprimentos e parceiros internacionais.
1) Onde as sanções podem “tocar” a Reforma (CBS/IBS/IS)
1.1 Créditos de CBS e IBS (não cumulatividade)
- Risco de glosa de créditos se a operação for nula/vedada por sanção aplicável (ex.: pagamento bloqueado, contrato inválido ou mercadoria retida).
- Requisitos formais e materiais: ainda que exista NF-e regular, a ilicitude ou impossibilidade jurídica da operação pode afastar o direito ao crédito (princípio da não cumulatividade não convalida operação inválida).
- Beneficiário final sancionado: se fornecedor “limpo” for controlado por sancionado (UBO), aumenta o risco de questionamento da substância da operação e do crédito.
1.2 Importação e operações de comércio exterior
- Bloqueios bancários (SWIFT/correspondentes) podem impedir o desembaraço por falta de liquidação cambial, afetando a base de cálculo e a apropriação de créditos na entrada.
- Embargos/controles de exportação do país de origem (ex.: tecnologia dual use) podem gerar perda do objeto do contrato e inexistência de fato gerador da CBS-Importação — com reflexos em ajustes contábeis e fiscais.
1.3 Imposto Seletivo (IS)
- Embora o IS tenha finalidade extrafiscal setorial, sanções podem impactar a disponibilidade de produtos potencialmente sujeitos ao IS (ex.: bens com externalidades negativas), alterando mix de vendas, elasticidade e precificação.
1.4 Regimes diferenciados e devoluções
- Regimes especiais, drawback, entrepostos e lojas francas podem ser suspensos ou revogados quando haja risco de violação a sanções, impactando fluxo de caixa e planejamento de créditos.
- Ressarcimento/compensação de créditos: operações travadas por sanções podem alongar prazos ou motivar exigência probatória adicional para homologação.
2) Efeitos práticos por função do negócio
2.1 Compras/Comercial
- Due diligence de fornecedores com triagem em listas de sanções (OFAC SDN, UE, Reino Unido, Canadá, ONU) e cheque de UBO.
- Cláusulas Magnitsky em contratos: declarações de não-sanção, obrigação de notificar mudança de status, direito de rescisão sem ônus e indenização em caso de violação.
- Política de substituição de origem: preparo para rotas alternativas de importação e homologação preventiva de fornecedores backup.
2.2 Fiscal/Tributário
- Checklist de creditamento CBS/IBS com travas automáticas para CNPJs/UBOs sinalizados;
- Matriz de risco de glosa (probabilidade × impacto) por item/NCM e por fornecedor/país;
- Documentação reforçada (provas de entrega, câmbio, compliance, KYC) anexada à escrituração (SPED/EFD) para defesa em eventual questionamento.
2.3 Financeiro/Tesouraria
- Mapear bancos correspondentes e sua política de sanções (ex.: bancos brasileiros tendem a acatar sanções dos EUA/UE por risco de dólar/correspondentes).
- Planos de contingência de pagamento (alternativas de moeda, prazos, escrows) e testes de estresse de capital de giro.
2.4 Logística/Aduana
- Screening pré-embarque de países, portos e armadores; checar end-use/end-user.
- Protocolos de fallback para cargas bloqueadas (retenção, reexportação, redestinação) com roteiros fiscais para minimizar perdas de crédito/estoque.
3) Linha do tempo 2025–2033 (o que ajustar em cada fase)
- 2025: Preparar governança e tecnologia. Implantar screening diário de listas, mapeamento de UBOs e cláusulas Magnitsky em novos contratos.
- 2026 (início da transição do IVA – CBS/IBS em alíquotas iniciais): Ajustar parametrizações no ERP para bloquear creditamento quando houver alerta de sanção ou operação inviável; criar contas contábeis específicas para perdas por sanção.
- 2027–2032 (período de convivência de sistemas): Incluir sanções como fator de priorização nos projetos de depuração de créditos (PIS/Cofins/ICMS x CBS/IBS). Rodar auditorias trimestrais de fornecedores críticos.
- 2033 (regime pleno): Consolidar KPIs e painel de conformidade integrando fiscal, compras e riscos, com relatórios de exceção para diretoria/comitê.
4) Matriz de risco (exemplo para comerciantes)
Risco
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Descrição
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Probabilidade
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Impacto
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Ação
preventiva
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Dono
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Glosa de créditos CBS/IBS
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Fornecedor/UBO sancionado,
operação contestada
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Média
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Alto
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Screening + cláusula Magnitsky
+ dossiê fiscal
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Fiscal/Compras
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Bloqueio cambial/importação
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Banco correspondente recusa
liquidação
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Média
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Alto
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Bancos alternativos + moeda
alternativa + buffers de estoque
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Tesouraria/Logística
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Ruptura de estoque
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Embargo/export control na
origem
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Baixa
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Alto
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Fontes de suprimento
redundantes + homologação prévia
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Comercial/Logística
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Penalidades regulatórias
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Violação inadvertida de sanções
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Baixa
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Alto
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Treinamento + parecer jurídico
+ trilhas de auditoria
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Jurídico/Compliance
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5) Indicadores e controles sugeridos
- % de fornecedores triados (meta: 100% críticos; 95% totais)
- Tempo médio de liberação de pagamentos internacionais
- Valor de créditos CBS/IBS com alerta de risco (aberto/mitigado)
- # incidentes de bloqueio aduaneiro/cambial por sanção
- % contratos com cláusula Magnitsky
6) Itens para o seu Comitê de Governança (Reforma Tributária)
- Aprovar política de sanções integrada ao Programa de Integridade.
- Autorizar orçamento para ferramenta de screening (listas + UBO) integrada ao ERP/Compras.
- Definir apetite de risco e fluxo de exceções (quem decide, em quanto tempo, com quais evidências).
- Validar Matriz RACI com responsabilidades por área (Fiscal, Compras, Jurídico, Tesouraria, Logística, TI).
- Estabelecer rotina de reporte bimestral ao comitê e plano de testes anuais.
7) Modelos práticos (prontos para adaptação)
Cláusula de conformidade a sanções (resumo):
- A Parte declara que não está listada em quaisquer listas de sanções (ONU, OFAC, UE, etc.) e que não é controlada por pessoa sancionada;
- Compromete-se a notificar qualquer mudança;
- Autoriza a rescisão imediata sem ônus se houver violação;
- Responde por indenização por perdas, multas e glosa de créditos decorrentes.
PODEMOS TER IMPACTOS NO IVA?
O percentual do IVA (CBS + IBS, que juntos devem chegar a 28%) não será alterado diretamente por algo como a Lei Magnitsky, porque a alíquota é definida por lei interna (EC 132/2023 + leis complementares) e segue o cronograma de transição 2026–2033.
Mas há alguns efeitos indiretos possíveis:
1. Base de cálculo e arrecadação
- Se fornecedores ou países caírem sob sanções, o fluxo de importações pode encolher ou ficar mais caro.
- Isso reduz a base de incidência da CBS-Importação e do IBS nas operações subsequentes.
- Resultado: não muda o percentual de IVA, mas pode diminuir ou deslocar a arrecadação entre setores.
2. Perda de crédito (efeito econômico equivalente a aumento de carga)
- Se uma operação for vedada ou anulada por sanções, o contribuinte perde o direito ao crédito de IVA.
- Na prática, isso pode gerar uma carga líquida maior (porque paga IVA na entrada e não consegue compensar na saída).
- Esse efeito pode ser lido como se a alíquota efetiva tivesse subido, embora formalmente não seja uma alteração do percentual.
3. Ajustes setoriais e exceções
- Em casos de crise de abastecimento por sanções (ex.: alimentos, combustíveis), o Congresso poderia criar regimes diferenciados ou alíquotas reduzidas, alterando o peso relativo do IVA em alguns setores.
- Isso já ocorreu em outros países que implementaram IVA sob cenários de sanções ou embargos.
Conclusão
O percentual formal do IVA no Brasil não sofre alteração direta por sanções do tipo Magnitsky, mas a exposição a fornecedores, países ou beneficiários finais sancionados pode resultar em glosa de créditos, bloqueios de operações internacionais e rupturas de estoque. Esses fatores elevam a carga tributária efetiva, como se houvesse um aumento indireto da alíquota. Assim, empresas — em especial do varejo e atacado — precisam integrar a análise de sanções à governança tributária, implementando controles de compliance, due diligence de fornecedores, cláusulas contratuais específicas e monitoramento constante. A integração entre compliance e fiscal se torna, portanto, um fator estratégico de sobrevivência e competitividade no período de transição e consolidação do novo sistema tributário até 2033.
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