Por Fabio Rodrigues
Co-Founder da Busca.Legal
Em minhas aulas, sempre comento que a legislação do PIS e da COFINS não tem muito compromisso com a lógica. E quando tratamos da tributação de bebidas frias, essa falta de lógica fica ainda mais evidente e temos que esquecer, inclusive, do que já sabemos de PIS e COFINS, como veremos a seguir.
Breve histórico
Em 2015 tivemos uma série de mudanças em relação às contribuições sociais, motivadas, inclusive, pela crise econômica pelo qual passava (ou ainda passa?) o país. E a tributação das bebidas frias – que incluem água, refrigerante, energético, cerveja, dentre outros – não passou incólume.
Atenção: Conforme Solução de Consulta COSIT nº 420/2017, as novas regras aplicam-se, inclusive, na venda dos produtos existentes em estoque.
Até abril de 2015, esses produtos estavam enquadrados na chamada incidência monofásica, na qual a tributação é concentrada no fabricante ou importador, ficando os demais entes da cadeia desonerados. Algo parecido com o instituto da substituição tributária, em que pese as diferenças jurídicas e operacionais.
Atenção: para conhecer a lista completa dos produtos classificados como bebidas frias, consulte o art. 14 da Lei nº 13.097/2015, o art. 1º do Decreto º 8.442/2016 ou, de maneira bem prática, as tabelas de PIS e COFINS (4.3.10 ou 4.3.11) que a Receita Federal disponibiliza em sua página na internet.
Monofásico bifásico?
Dentre as inovações oriundas da Lei nº 13.097/2015, destaca-se a mudança do regime monofásico para uma espécie de bifásico, onde, além do importador ou fabricante, o atacadista também paga as contribuições sociais.
Aliás, para ser mais preciso, apenas o varejista continua com alíquota zero. Todos os demais entes da cadeia passam a contribuir com o PIS e a COFINS. O artigo 28 Lei nº 13.097/2015, ao remeter ao artigo 17, traz, inclusive, a definição de quem é esse varejista:
considera-se varejista a pessoa jurídica cuja receita decorrente de venda de bens e serviços a consumidor final no ano-calendário imediatamente anterior ao da operação houver sido igual ou superior a 75% (setenta e cinco por cento) de sua receita total de venda de bens e serviços no mesmo período, depois de excluídos os impostos e contribuições incidentes sobre a venda.
Atenção: caso o varejista seja o importador, também terá que recolher as contribuições sobre a venda das bebidas frias.
Atenção: no regime de incidência monofásica, o varejista, que revende tais produtos com alíquota zero, deve utilizar o CST 04 (tabela 4.3.10). No caso das bebidas frias, no entanto, o varejista deverá utilizar o CST 06 (tabela 4.3.13, código 918). Mais uma das diferenças deste regime das bebidas frias.
Atenção: não se consideram vendas a consumidor final as vendas de bebidas frias a entidades ou associações sem fins lucrativos, para posterior fornecimento a terceiros por esses adquirentes, ainda que de forma gratuita (Solução de Consulta COSIT 426/2017).
A partir da Lei nº 13.097/2015, portanto, não é mais adequado tratar as bebidas frias como monofásicas. E para evitar qualquer confusão, é melhor entendermos apenas como um modelo de tributação diferenciada, sem tentar compará-lo a qualquer outro.
Atenção: muitos contribuintes ainda não se atentaram a esta mudança, especialmente pequenos atacadistas, que continuam a vender bebidas frias com alíquota zero.
Alíquotas aplicáveis
Como teremos mais contribuintes pagando as contribuições, o legislador optou por diferenciar as alíquotas aplicáveis conforme o destinatário da operação. Temos, a princípio, as seguintes alíquotas:
a) 2,32%, no caso do PIS;
b) 10,68%, no caso da COFINS.
Todavia, no caso de vendas realizadas para pessoa jurídica varejista ou consumidor final, essas alíquotas ficam reduzidas em:
a) 19,82%, no caso do PIS;
b) 20,03%, no caso da COFINS.
Dessa forma, pensando em uma cadeia, poderíamos ter o seguinte cenário:
É muito comum, na prática, acharem que a indústria aplica uma alíquota e o atacadista outra, mas para ser preciso, como já colocado, as alíquotas se diferenciam de acordo com o destinatário da operação. Dessa forma, se um atacadista vender para outro atacadista, as alíquotas aplicáveis serão de 2,32% e 10,68%.
E cuidado, pois na hipótese de inobservância das condições estabelecidas para aplicação das alíquotas reduzidas, será identificado o sujeito passivo e serão apuradas as contribuições devidas e acréscimos cabíveis!
Para complicar mais um pouco: seguindo a autorização da Lei nº 13.097/2015, o Decreto nº 8.442/2016, que regulamentou a tributação das bebidas frias, ainda reduziu as alíquotas aplicáveis nos casos de cervejas e chopes especiais, conforme regras constantes do artigo 21 e Anexo II.
Atenção: de 2015 e 2017, ainda tivemos percentuais de redução das alíquotas, conforme definido no Anexo III da Lei nº 13.097/2015.
E não é demais lembrar que essas alíquotas se aplicam tanto no regime cumulativo quanto não cumulativo, sem distinções. E no caso de industrialização por encomenda, a pessoa jurídica executora da encomenda aplicará sobre sua receita alíquotas de 1,65% e 7,6%, qualquer que seja seu regime (e como essa alíquota é fixa, independentemente do regime, o CST a ser aplicado é o 02).
Desconto de créditos
Na tributação monofásica, os atacadistas e varejistas têm alíquota zero em suas vendas e não podem aproveitar créditos nas compras dos produtos sujeitos a essa sistemática (salvo discussões judiciais: https://busca.legal/index.php/creditos-de-pis-e-cofins-na-aquisicao-de-produtos-monofasicos-para-revenda/).
No novo modelo aplicável às bebidas frias, no entanto, tendo em vista que a redução a zero das alíquotas aplica-se somente ao varejista, é possível ao atacadista, por exemplo, aproveitar créditos em relação ao montante das contribuições incidentes na operação anterior.
E para saber o valor, ele deve buscar o documento fiscal de compra da mercadoria, o que é mais uma novidade das bebidas frias! Pela regra geral, o crédito não está amarrado ao valor destacado, pois no método subtrativo indireto, aplicável ao PIS e à COFINS, os créditos nascem internamente na empresa. Para as bebidas frias houve uma aproximação com o ICMS, onde os créditos estão vinculados ao documento fiscal (método de crédito do tributo).
A Lei nº 13.097/2015 estabelece, inclusive, que as pessoas jurídicas deverão informar os valores devidos das contribuições em suas notas fiscais de saída. Apenas as empresas do Simples Nacional estão dispensadas dessa obrigação, pois nas compras destes a legislação trouxe uma regra diferente: os créditos serão calculados mediante aplicação das alíquotas de 0,38% para o PIS e 1,60% para a COFINS.
Atenção: a possibilidade de desconto de créditos não alcança o varejista que aplica alíquota zero em sua venda. Um pouco de lógica que resta à tributação das bebidas frias (neste sentido, a Solução de Consulta COSIT nº 344/2017).
Tributação na importação
Na importação, também há incidência das contribuições e são previstas, já considerando as mudanças da Lei nº 13.137/2015, alíquotas de:
a) 3,31% para o PIS;
b) 15,26% para a COFINS.
Sendo que no caso de cerveja, chope e alimentos para praticantes de atividades físicas (códigos 22.02.90.00 Ex 03 e 22.03 da TIPI) essas alíquotas serão de:
a) 3,74% para o PIS;
b) 17,23% para a COFINS.
E caso a importadora seja do regime não cumulativo, poderá descontar créditos sobre o valor efetivamente pago das contribuições na importação. Ou seja, a incidência na importação terá impacto apenas no fluxo de caixa, pois do valor pago poderá ser aproveitado crédito.
E não é demais lembrar que, na venda efetuada pelo importador, novamente teremos incidência das contribuições, de acordo com as alíquotas diferenciadas já informadas anteriormente.
Cumulativo com crédito
Em 2002 foi criado o regime não cumulativo do PIS, estendido no ano seguinte para a COFINS. A principal diferença entre os regimes está na possibilidade de aproveitamento de créditos. Basicamente, a cada operação são descontados créditos, de forma que o contribuinte pague somente sobre o valor que acrescer a cada operação. O objetivo é evitar a sobreposição do tributo ao longo da cadeia, como ocorre no regime cumulativo.
Esse pouco de lógica que restava às contribuições não sobrevive, no entanto, na tributação das bebidas frias, pois a pessoa jurídica sujeita ao regime cumulativo também poderá aproveitar créditos presumidos em relação à aquisição das bebidas frias no mercado interno.
O crédito seguirá as mesmas regras já colocadas anteriormente, ou seja, de acordo com o valor destacado no documento fiscal e, no caso de compra de empresa do Simples Nacional, nos percentuais definidos na própria legislação.
Apesar de ser bem estranho falarmos em aproveitamento de créditos no regime cumulativo, acaba sendo justo, uma vez que na revenda desses produtos haverá nova incidência das contribuições.
Atenção: esta possibilidade de aproveitamento de crédito não se aplica às empresas dos Simples Nacional ou ao varejista que aplica alíquota zero em sua venda!
Simples Nacional
A redução a zero das alíquotas para o varejista também se aplica aos contribuintes do Simples Nacional. Portanto, quando do preenchimento do PGDAS, é necessária especial atenção para que o contribuinte tenha a devida redução do montante a pagar no recolhimento unificado.
Atenção: reafirmando isso, temos a Solução de Consulta COSIT nº 225/2017.
Já os importadores, fabricantes ou atacadistas, optantes pelo Simples Nacional, tributarão a receita da venda das bebidas frias normalmente dentro do Simples Nacional, haja vista que as alíquotas diferenciadas das bebidas frias não se aplicam ao Simples Nacional, conforme prevê o art. 15, § 2º, da Lei nº 13.097/2015. É sempre bom lembrar que as bebidas frias deixaram de ser uma tributação concentrada, logo, não se aplica a previsão geral de segregação de receitas prevista no art. 18, § 4º-A, I, da Lei Complementar nº 123/2006.
Pauta mínima
Vamos complicar um pouco mais a tributação das bebidas frias? Sabe aquelas alíquotas diferenciadas informadas anteriormente? Nem sempre elas serão aplicadas…
A Lei 13.097/2015, em seu Anexo I, estabelece valores mínimos a serem observados, de acordo com a NCM, tipo de produto e capacidade do recipiente. E esses valores ainda podem ser alterados pelo Poder Executivo.
Vamos considerar a venda de um refrigerante de um litro para entendermos a aplicação disso. O primeiro passo é fazermos o cálculo com as alíquotas diferenciadas:
Base de cálculo: R$ 0,75
Alíquota do PIS: 2,32%
Valor calculado: R$ 0,0174
Em seguida, comparar esse valor com a pauta. Vamos considerar o caso abaixo:
Como neste caso o valor calculado com base na alíquota diferenciada (R$ 0,0174) ficou menor que a pauta (R$ 0,0211), a empresa deverá recolher com base nesta última. E detalhe: não é só o valor devido de PIS e COFINS que muda: o CST também se altera! No caso de aplicação das alíquotas diferenciadas, o CST é 02; no caso da pauta, 03.
E isso não é analisado ao final do mês, mas a cada venda! Em uma mesma nota fiscal podemos ter, inclusive, produtos calculados com base nas alíquotas diferenciadas e nas pautas, dependendo dos valores de venda. Não é por menos que as empresas têm tido muita dificuldade para operacionalizar essa regra, que alcança, inclusive, os atacadistas.
Equipamentos contadores de produção
A nova legislação, de forma semelhante à anterior, obriga as indústrias de bebidas frias a instalarem equipamentos contadores de produção. Os detalhes aplicáveis constam da Instrução Normativa RFB nº 869/2008, que criou o Sistema de Controle de Produção de Bebidas (Sicobe).
Por força do ADE COFIS nº 75/2016, no entanto, as empresas foram desobrigadas do Sicobe. Conforme notícia constante da página da RFB:
A Casa da Moeda do Brasil (CMB) está desenvolvendo um projeto que substituirá o Sicobe por um custo menor. Quando a CMB concluir o desenvolvimento da nova solução tecnológica para contagem e rastreamento da produção, serão editados novos ADE’s para restabelecer a obrigatoriedade do sistema de contagem e, consequentemente, dispensa de aplicação do selo físico para as bebidas quentes.
Conclusões
Além dos pontos expostos ao longo deste artigo, recomenda-se a leitura do Decreto nº 8.442/2016, que regulamenta o regime de tributação das bebidas frias. Há diversas questões que são detalhadas neste ato, desde a definição do que é uma cerveja especial a orientações quanto ao preenchimento do documento fiscal.
E após todas essas particularidades que foram apresentadas, acho que a única conclusão possível é que, ao contrário do que nos ensinou Aristóteles, será melhor não usarmos a lógica para resolvermos os problemas das contribuições sociais.
Fonte: Busca Legal
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