“Os governos seguem complicando mais ainda a vida dos contribuintes”
É notória a indignação do brasileiro com o peso da carga tributária, especialmente considerando a má qualidade dos serviços públicos prestados pelo Estado. Adicionalmente, um fato tem ganhado destaque nos últimos anos: o peso das obrigações tributárias acessórias.
A obrigação tributária principal é o pagamento do tributo. Todas as outras obrigações são acessórias. Elas existem para que a fiscalização possa apurar o cumprimento da obrigação principal. Pagar o DARF no banco é uma obrigação principal do Imposto de Renda. Apresentar a Declaração de Ajuste Anual é acessória. Para cumprir as obrigações acessórias dos impostos sobre consumo (ICMS, IPI, ISS), as empresas têm custos que acabam sendo repassados ao consumidor, tanto quanto o imposto pago.
O ICMS é, sem favor algum, o mais complexo imposto do Brasil. Inspirado na ideia francesa da tributação sobre o valor agregado,o ICMS é não cumulativo, com foco na circulação das mercadorias, mas também incide sobre alguns serviços, com vinte e sete unidades federativas editando normas tributárias e fiscalizando o imposto. Apesar de estadual, há normas gerais determinadas por legislação federal que devem (ou deveriam) ser respeitadas pelas legislações estaduais.
Uma das maiores causas da complexidade do ICMS é o regime da Substituição Tributária, o qual permite que a legislação aplique a uma empresa a responsabilidade pelo pagamento de imposto que seria devido por outra, inclusive para operações que ainda não ocorreram.
Falar dos males causados pela Substituição Tributária demandaria um estudo imenso. A título de exemplo, quando uma fábrica de bebidas vende uma lata de refrigerante para um atacadista, todo o ICMS da cadeia é pago sobre um preço médio que, em tese, seria praticado na última operação, para o consumidor final. Mas o preço médio, por óbvio, não se aplica em todos os casos. Assim, uma pessoa que bebe uma lata de refrigerante por dez reais em um restaurante de luxo em São Paulo paga o mesmo ICMS daquele que compra essa lata por dois reais no supermercado.
Voltando ao campo das obrigações acessórias, neste a Substituição Tributária também assusta: de 595 artigos do Regulamento Paulista do ICMS, nada menos que 173 tratam de Substituição Tributária! Diversos desses artigos, como o 277 e o 426-A, são desafiadores para o entendimento de qualquer profissional da área fiscal.
A pior parte dessa história é que não há sinal de reversão da tendência – ao contrário, os governos seguem complicando mais ainda a vida dos contribuintes.
No dia 20 de agosto de 2015, com fundamento em Lei Complementar Federal, o Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) publicou o Convênio ICMS 92/2015, visando, entre outros, uniformizar a identificação e restringir as mercadorias sujeitas à Substituição Tributária. Os efeitos do convênio tiveram início em 1º de janeiro de 2016. Antes disso, cada estado podia adotar uma nomenclatura particular para identificar essas mercadorias, o que resultava em um enorme trabalho para que as empresas e o fisco pudessem apurar, em cada ente federativo, as situações em que o regime devia ou não ser aplicado. Não havia também nenhuma restrição às mercadorias que poderiam ser incluídas no regime, inclusive para empresas optantes pelo Simples Nacional.
Tendo em vista as alterações, a Administração Tributária do estado de São Paulo publicou, em 30 de dezembro de 2015, o Comunicado CAT 26/2015, adiantando as mudanças no Regulamento Paulista do ICMS que, de acordo com o referido comunicado, seriam realizadas por decreto do governador “nos próximos dias”.
Os próximos dias já se transformaram em mais de quatro meses e parece que o Governador Geraldo Alckmin não está muito disposto a facilitar a vida de seus contribuintes, ou mesmo a cumprir a legislação federal: até hoje não foi publicado o decreto que regulamentaria as alterações previstas. As empresas ficam à deriva, sem saber com certeza se as modificações já estão vigentes no estado de São Paulo e como devem proceder. O assunto tem sido recorrente nos questionamentos enviados à Consultoria Tributária e nos plantões dos postos fiscais. Quando sair o decreto, provavelmente será retroativo ao início de 2016. Quem pagou ICMS indevido terá que pedir ressarcimento ou compensação, sem atualização monetária. Quem deixou de pagar muito provavelmente será penalizado por juros e multas de mora. Diversas empresas terão que refazer toda a sua escrita fiscal e substituir declarações apresentadas. Em tempos de crise econômica e política, é mais uma dor de cabeça para as empresas paulistas.
Resta saber onde está parado o decreto. Em geral, o responsável pelo envio das minutas de decretos ao governador é o secretário da respectiva pasta. Talvez o Secretário da Fazenda do Estado de São Paulo, Renato Villela, deveria passar mais tempo cuidando de questões técnicas de sua secretaria, ao invés de ficar em Brasília advogando pela retirada de direitos dos trabalhadores.
O Governador e o Secretário da Fazenda brincam com a política tributária. Quem paga o preço, como sempre, é o consumidor final.
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* Agente Fiscal de Rendas desde 2010, lotado no Posto Fiscal 10 – Delegacia Regional Tributária de São José do Rio Preto, formado em Engenharia Aeronáutica pela USP e pós-graduado em Finanças Corporativas e Investment Banking pela FIA.
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NOTA: O BLOG do AFR é um foro de debates. Não tem opinião oficial ou oficiosa sobre qualquer tema em foco.
Artigos e comentários aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus autores.
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