Ementa
ICMS – Substituição tributária – Operações com autopeças – Remessa de autopeças com destino a contribuinte paulista para formação de "kits".
I. Aplica-se o disposto no inciso I do artigo 264 do RICMS/2000, para fins de dispensa da aplicação do regime de substituição tributária, às operações com mercadorias destinadas a integração ou consumo em processo de industrialização (insumos), típicos da atividade de “fabricação” de mercadorias.
II. “Fabricação” deve ser compreendida como o processo de industrialização tipificado como “transformação” ou, numa interpretação mais liberal, como “montagem”, mas nunca como “beneficiamento”, "acondicionamento ou reacondicionamento” e "renovação ou recondicionamento”, conforme definições do artigo 4º, inciso I do RICMS/2000.
III. Um contribuinte não poderá ser considerado fabricante caso venha a realizar processo de acondicionamento de mercadorias em “kits” para revenda, posto que as mercadorias adquiridas não são integradas ou consumidas em processo de industrialização, típico da atividade de fabricação, e nem resultam em nova mercadoria.
Relato
1. A Consulente, que de acordo com sua CNAE (29.49-2/99) exerce a atividade de fabricação de outras peças e acessórios para veículos automotores não especificadas anteriormente, afirma que produz engrenagens, classificadas no código 8708.40.90 da Nomenclatura Comum do Mercosul – NCM, cujas operações internas estão submetidas ao regime de substituição tributária.
2. Relata que um de seus clientes afirma que irá adquirir tais mercadorias para fins de industrialização, o que dispensaria a aplicação do regime de substituição tributária, nos termos do artigo 264 do Regulamento do ICMS (RICMS/2000), anexando à presente Consulta Tributária a declaração do destinatário
3. Afirma ainda que ao questionar esse cliente sobre seu processo de industrialização, este afirmou que os itens adquiridos são colocados em uma embalagem junto com outras peças, formando um kit que é revendido para outros distribuidores.
4. Diante do exposto, questiona sobre a aplicabilidade do regime de substituição tributária nessas operações.
Interpretação
5. Inicialmente, observamos que a presente resposta à Consulta adotará como premissa de que as mercadorias em questão, pela classificação fiscal apresentada no relato, se caracterizam efetivamente como "partes e acessórios dos veículos automóveis das posições 8701 a 8705", classificados na posição 8708 da NCM, de forma que as operações com essas mercadorias encontram-se submetidas ao regime de substituição tributária previsto no artigo 313-O do RICMS/2000 e no item 77 do Anexo XIV da Portaria CAT 68/2019.
6. Cabe transcrever trechos dos artigos 4º e 264 do RICMS/2000:
“Artigo 4º - Para efeito de aplicação da legislação do imposto, considera-se (Convênio SINIEF-6/89, art. 17, § 6º, na redação do Convênio ICMS-125/89, cláusula primeira, I, e Convênio AE-17/72, cláusula primeira, parágrafo único):
I - industrialização, qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto ou o aperfeiçoe para consumo, tal como:
a) a que, executada sobre matéria-prima ou produto intermediário, resulte na obtenção de espécie nova (transformação);
b) que importe em modificação, aperfeiçoamento ou, de qualquer forma, alteração do funcionamento, da utilização, do acabamento ou da aparência do produto (beneficiamento);
c) que consista na reunião de produtos, peças ou partes e de que resulte um novo produto ou unidade autônoma (montagem);
d) a que importe em alteração da apresentação do produto pela colocação de embalagem, ainda que em substituição à original, salvo quando a embalagem aplicada destinar-se apenas ao transporte da mercadoria (acondicionamento ou reacondicionamento);
e) a que, executada sobre o produto usado ou partes remanescentes de produto deteriorado ou inutilizado, o renove ou restaure para utilização (renovação ou recondicionamento);
[...]
Artigo 264 - Salvo disposição em contrário, não se inclui na sujeição passiva por substituição, subordinando-se às normas comuns da legislação, a saída, promovida por estabelecimento responsável pela retenção do imposto, de mercadoria destinada a (Lei 6.374/89, art. 66-F, I, na redação da Lei 9.176/95, art. 3º, e Convênio ICMS-81/93, cláusula quinta):
I - integração ou consumo em processo de industrialização;
[...]”
7. Ante os artigos transcritos, revela-se crucial frisar que os termos “industrialização” e “fabricação” não se confundem. Conforme entendimento deste órgão consultivo manifestado em outras oportunidades, o termo “fabricação” deve ser compreendido como o processo de industrialização tipificado na alínea "a" do inciso I do artigo 4º do RICMS/2000 (transformação) ou, numa interpretação mais liberal, no processo tipificado na alínea "c" do mesmo inciso (montagem), mas não nas hipóteses das alíneas "b" (beneficiamento), "d" (acondicionamento ou reacondicionamento) e "e" (renovação ou recondicionamento).
8. Nessa linha, embora o conceito de “industrialização” seja amplo para fins de incidência do ICMS (e, nos termos da própria redação da alínea “d” do inciso I do artigo 4º do RICMS/2000, abarque a atividade de “acondicionamento”), a sujeição de determinada mercadoria a algum dos processos listados no inciso I do artigo 4º do RICMS/2000, por si só, não implica em “integração ou consumo em processo de industrialização”, requisito exigido, por exemplo, para a dispensa da aplicação do regime de substituição tributária, prevista no inciso I do artigo 264 do RICMS/2000. Essa integração ou consumo em processo de industrialização traduz a ideia de utilização de um insumo (item 3.1 da Decisão Normativa CAT 01/2001) no processo de “fabricação” de determinado produto.
9. Ademais, tal interpretação guarda, inclusive, coerência sistemática com a regra de incidência do regime de substituição tributária que prevê a responsabilidade pela retenção e pelo pagamento do imposto incidente nas saídas subsequentes ao estabelecimento fabricante (conforme artigo 313-O, inciso I, do RICMS/2000). Isso é, se para a incidência do regime de substituição tributária se requer que o estabelecimento seja considerado fabricante, por correlação lógica, a dispensa de aplicação do regime de substituição tributária do artigo 264, inciso I, do RICMS/2000, requer integração e consumo do insumo em processo de industrialização de atividade fabril.
10. Portanto, tem-se que um contribuinte não poderá ser considerado fabricante caso venha a realizar processo de acondicionamento de mercadorias em “kits” para revenda, posto que as mercadorias adquiridas não são integradas ou consumidas em processo de industrialização, típico da atividade de fabricação, e nem resultam em nova mercadoria.
11. Este órgão consultivo tem o entendimento consolidado (como exemplo, citamos as respostas às Consultas 3983/2014, 7497/2015, 16632/2017, 17678/2018 e 22001/2020) de que “kit” representa um conjunto de mercadorias comercializadas de forma agregada, sem que, contudo, esse agrupamento constitua mercadoria autônoma para fins de tributação. Sendo assim, o fato de serem comercializadas em conjunto não implica alteração do tratamento tributário aplicável a cada uma dessas mercadorias. E, a partir das informações fornecidas no relato, quer nos parecer que as operações realizadas pela cliente da Consulente envolvem, de fato, “kits”.
12. Todavia, na hipótese de todos os itens que compõem o “kit” formarem um único e novo produto, com outro código específico da NCM, estará sendo vendido, por óbvio, um novo produto, ainda que esteja separado por peças, partes ou módulos, e, nessa hipótese, seria considerado como um processo de “fabricação” de determinado produto, nos termos do inciso I do artigo 264 do RICMS/2000. Entretanto, o relato da Consulente sugere, de fato, que a "industrialização" realizada pelo seu cliente se caracteriza como formação de “kit”, nos termos já apresentados nesta resposta.
13. Dessa forma, na saída de engrenagens, classificadas no código 8708.40.90 da NCM, com destino a contribuinte que irá utilizá-los na formação de "kits", se aplica normalmente o regime de substituição tributária previsto no artigo 313-O do RICMS/2000 e na Portaria CAT 68/2019.
14. Por fim, observamos que na declaração do estabelecimento destinatário anexada pela Consulente, não há a informação de que as mercadorias serão utilizadas para a formação de "kit", mas tão somente de que serão utilizadas em processo de industrialização.
14.1. Sendo assim, na hipótese de o estabelecimento destinatário, que de acordo com os dados fornecidos pela Consulente exerce a atividade de serviços de usinagem, tornearia e solda (CNAE principal 25.39-0/01), efetivamente utilizar as mercadorias adquiridas em processo de fabricação, conforme esclarecido no item 6 acima, então não se aplica o regime de substituição tributária.
14.2. Além disso, caso o estabelecimento destinatário se caracterize como fabricante de autopeças (fabricante de mercadorias enquadradas na mesma modalidade de substituição tributária do Anexo XIV da Portaria CAT 68/2019), então, nessa situação, não se aplicaria o regime de substituição tributária, nos termos do inciso IV do artigo 264 do RICMS/2000.
15. Com esses esclarecimentos, consideramos dirimidas as dúvidas da Consulente.
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