Ementa
ITBI – Transmissão inter vivos – Excesso de meação em processo judicial consensual de dissolução de sociedade conjugal ocorrida em 1988 – Legislação aplicável.
I. Aplica-se à doação de bem imóvel por excesso de meação, em partilha homologada em 1988, a Lei nº 9.591/1966 (ITBI).
II. A transferência entre vivos da propriedade de bens imóveis se dá mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
III. O marco temporal para a verificação do início do prazo decadencial do imposto incidente na transmissão não onerosa de bem imóvel entre vivos é aquele em que a transmissão da propriedade é efetivada, com o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
Relato
1. A Consulente, pessoa natural, relata que ajuizou ação de separação judicial, cuja partilha foi homologada em 25/10/1988, na comarca de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Acrescenta que era casada sob o regime de comunhão parcial de bens.
2. Informa que, na partilha de bens do casal, lhe coube a totalidade de um imóvel na cidade de São Paulo, tendo o seu esposo doado a parte que lhe cabia nesse imóvel.
3. Expõe que em abril de 2022, ao tentar realizar a venda desse imóvel, foi informada pelo Oficial de Registro Imóveis correspondente que a partilha em questão não fora registrada na matrícula do imóvel e que o excesso de meação é hipótese de incidência de imposto, devido ao Estado de São Paulo, conforme previsto no artigo 2°, inciso X, da Lei n° 9.591/1966.
4. Com fundamento no inciso I do artigo 173 e no caput do artigo 174, ambos do Código Tributário Nacional– CTN, bem como na ausência da constituição do crédito tributário, como prevê o artigo 144 do CTN, e tendo em vista o tempo decorrido desde a sentença de homologação da separação e partilha, argumenta que o crédito tributário teria sido extinto por meio da decadência, nos termos do inciso V do artigo 156 do CTN.
5. Diante do exposto, solicita a análise da questão e a emissão de parecer que afaste a exigência do imposto, com o reconhecimento da extinção do crédito tributário.
6. Anexa cópias digitais dos seguintes documentos: “Certidão de Casamento”; “Carta de sentença”; “Certidão do [XXX] Oficial de Registro de Imóveis”; “Nota devolutiva” e “Certidão de distribuição”.
Interpretação
7. Inicialmente, cabe registrar que, conforme artigo 144 do Código Tributário Nacional - CTN, o lançamento do imposto reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada.
8. Da análise da situação exposta na presente consulta, verifica-se que o fato gerador do imposto devido pelo excesso de meação na partilha de bens no processo de separação judicial dos genitores da Consulente teria ocorrido no ano de 1988, com o trânsito em julgado da sentença de separação judicial pela qual se comprometeram as partes a partilhar os bens comuns.
9. Observe-se que o tributo vigente à data informada pela Consulente era o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis – ITBI, que foi instituído no Estado de São Paulo por intermédio da Lei nº 9.591/1966 e que incidia nas transmissões de bens imóveis, inter vivos, por ato oneroso ou não-oneroso (doação), e causa mortis.
10. Com a publicação da Constituição Federal de 1988, foram separadas as espécies de transmissões, passando as transmissões inter vivos, por ato oneroso, para a competência dos municípios (artigo 156, II, CF/1988), e mantendo, para os Estados, apenas as transmissões causa mortis e doação.
11. A Lei paulista nº 9.591/1966, com suas alterações, foi recepcionada pelo novo Sistema Tributário (artigo 34, §5º, das Disposições Transitórias da CF) naquilo que não conflitasse com as novas disposições até que o Estado viesse a disciplinar o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCMD, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 2001 (Lei 10.705/2000 e Decretos 45.837/2001 e 46.655/2002).
12. Dessa forma, como o fato gerador ocorreu após a promulgação da Constituição de 1988 (05/10/1988) e em data anterior à Lei 10.705/2000, o imposto era regido, no caso em tela, pela Lei nº 9.591/1966.
13. Isso posto, convém explicitar, nesse ponto, o entendimento geral deste órgão consultivo a respeito da transmissão de imóveis, inter vivos, por doação, tendo em vista as cautelas normativas que cercam a aquisição de direitos reais no país.
14. Com efeito, é cediço que, nos termos do artigo 1.245 do Código Civil, a transferência entre vivos do direito de propriedade de bens imóveis se dá mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis. No entanto, para que essa transferência se concretize, ela é necessariamente precedida de diversos atos solenes cujas ocorrências se dão em momentos distintos. Em regra, esses atos são a lavratura de escritura pública e a celebração de instrumento particular, nos termos dos artigos 541 c/c 108, ambos do Código Civil.
15. Dessa forma, o signo presuntivo de riqueza passível de tributação pelo imposto relativo à doação de bem imóvel começa a tomar forma com a formalização jurídica do ato ou contrato da doação e se condensa posteriormente com o registro do título translativo no Registro de Imóveis. Isso porque, como visto acima, o direito subjetivo à transação, potencialmente passível de tributação, é transmitido, por doação, entre as partes, em momento anterior ao registro do título translativo, oportunidade esta em que se aperfeiçoa aquele direito subjetivo, com a efetiva transmissão da propriedade do bem imóvel.
16. O artigo 116 do CTN permite que o legislador defina como ocorrido o fato gerador do imposto em momento distinto daquele trazido em seus incisos, reconhecendo que o marco temporal do acontecimento pode ser antecipado ou diferido, a critério do legislador, bastando, para tanto, que haja “disposição em lei em contrário”.
17. Diante disso, na esteira do que determina a Lei 10.705/2000 (artigo 15) e a Lei 9.591/1966 (artigos 14, 22 e 24) em relação ao momento em que deve ser apurada a base de cálculo do imposto, definindo, implicitamente em tais dispositivos, o momento da ocorrência do fato gerador, vem sendo entendimento reiterado dessa Consultoria Tributária que se considera ocorrido o fato gerador do imposto relativo à doação de bens na data do ato ou contrato de doação.
18. Nessa situação, tendo em vista que a doação de bens imóveis é um negócio jurídico, composto por diversos atos, que se inicia com a formalização jurídica do contrato de doação e termina com a transmissão da propriedade do bem imóvel quando do registro, como explicitado anteriormente, este órgão consultivo considera esse momento como marco temporal para verificação do início do prazo decadencial do imposto incidente na transmissão não onerosa de bem imóvel entre vivos, isto é, o momento que a transmissão da propriedade é efetivada, com o registro do título translativo no Registro de Imóveis, conforme disposto no artigo 1.245 do Código Civil.
19. Feitas essas considerações, recorda-se que a situação exposta nesta consulta trata da doação, pelo esposo, de sua parte no imóvel à esposa em decorrência da partilha de bens realizada no âmbito de um processo de divórcio judicial, homologada em 25/10/1988.
20. Sendo assim, observa-se que nesse caso, o título que autoriza a transferência da propriedade do imóvel doado pelo esposo é a sentença judicial que homologou a partilha dos bens, a qual cria o direito subjetivo à transferência da propriedade do imóvel que será efetivada quando levada a registro no Registro de Imóveis.
21. Somente após o devido registro da transferência do imóvel, nos termos da sentença judicial homologatória da partilha, para a Consulente no Registro de Imóvel correspondente, conforme disposto no artigo 1.245 do Código Civil, é que se iniciará a contagem do prazo decadencial.
22. Dessa forma, com fundamento em tais dispositivos, entende-se que o marco temporal para verificação do início do prazo decadencial do imposto incidente na transmissão não onerosa de bem imóvel entre vivos é aquele em que a transmissão da propriedade do bem é efetivada, com registro do título translativo no Registro de Imóveis (vide acórdão do STJ no REsp 1809411/MS).
23. Portanto, na situação em análise, considerando que o negócio jurídico realizado por ocasião do divórcio não foi registrado no Registro de Imóveis correspondente, como declarado no relato, não há que se falar no início da contagem do prazo de decadência a partir daquela data, de modo que a decadência será contada a partir do registro. Então, deve a Consulente verificar no caso concreto se houve excesso de meação para fins de análise de eventual ocorrência de fato gerador do imposto, ocorrido em 1988.
24. Oportunamente, sugerimos à Consulente a leitura do Comunicado CAT 19/2007 e da seção “Guia do Usuário / ITBI - Estadual (anterior ao ano 2001)”, no site do serviço “ITCMD”, no Portal da Secretaria da Fazenda e Planejamento, disponível em: https://portal.fazenda.sp.gov.br/servicos/itcmd/Paginas/ITBI.aspx (acesso em 12/04/2023).
24.1. Nesta seção, consta a informação de que, para o ITBI, não há declaração a ser preenchida eletronicamente e a obrigação tributária do contribuinte em relação ao cumprimento do previsto na Lei 9.591/1966 restringe-se à apuração e recolhimento do imposto, quando devido, nos termos previstos naquela lei. Adicionalmente, menciona-se que o imposto deve ser pago por meio de DARE a ser gerado no código respectivo ao tipo de transmissão e que não há emissão de Certidão de Homologação.
25. Ressalte-se, ainda, que a consulta tributária é um instrumento para elucidação de dúvida pontual quanto à interpretação e aplicação da legislação tributária estadual. Desse modo, dúvidas a respeito de eventual cálculo do imposto ou sua conferência para devido recolhimento, assim como a emissão de qualquer certidão, fogem à competência deste órgão consultivo, na forma estabelecida pelos artigos 510 e seguintes do RICMS/2000 combinados com o artigo 31-A da Lei 10.705/2000, devendo, tais questões, em face do caso concreto, serem encaminhadas ao Posto Fiscal, acompanhadas de todos os documentos comprobatórios da situação relatada, inclusive Respostas às Consultas Tributárias apresentadas pela Consulente relacionadas à situação e respondida por este órgão consultivo, observado o disposto na Portaria CAT 83/2020 (Sistema de Peticionamento Eletrônico – SIPET).
26. Por fim, a título de colaboração, recomenda-se a leitura das respostas às consultas tributárias nº 23192/2021, que trata de “ITCMD – Partilha de bens em divórcio – Incidência.”; nº 25578/2022, que trata de “ITCMD – Divórcio consensual – Partilha – Patrimônio comum do casal dividido de maneira desigual – Compensação com pagamento oriundo de patrimônio particular de um dos cônjuges.”; e nº 22412/2020, que trata de “ITBI/ITCMD – Transmissão causa mortis de fração de bem imóvel – Inventário cumulativo referente a três falecimentos (1980, 1986 e 2018) – Isenção - Valores expressos em moedas distintas.”, disponíveis no site da Secretaria da Fazenda e Planejamento https://portal.fazenda.sp.gov.br (links: "Legislação Tributária", "Respostas de Consultas"). Cumpre esclarecer, entretanto, que a resposta diz respeito especificamente ao contribuinte que a demandou, mas os entendimentos elaborados pelas equipes da Consultoria Tributária servem de orientação para os contribuintes que se encontrem na mesma situação.
27. Com esses esclarecimentos, considera-se sanada a dúvida apresentada pela Consulente.
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