Ementa
ICMS – Instituição de assistência social – Imunidade prevista no artigo 150, inciso VI, alínea “c” da Constituição Federal de 1988 – Incidência.
I. A imunidade constitucional estabelecida pelo artigo 150, inciso VI, alínea “c”, da Constituição Federal é prevista apenas para as hipóteses em que os impostos recaem diretamente sobre o patrimônio, a renda e os serviços das instituições sem fins lucrativos.
II. O ICMS, afora as prestações de serviços de transporte intermunicipal e interestadual e de comunicação, tem como objeto as operações relativas à circulação de mercadorias, não se enquadrando, assim, no conceito de impostos sobre patrimônio, renda e serviços.
III. Para fins de enquadramento como contribuinte do ICMS, a caracterização do intuito comercial depende da habitualidade ou do volume de operações relativas à circulação de mercadorias, conforme disposto no artigo 9º do RICMS/2000.
IV. Ao pretender praticar operações relativas à circulação de mercadorias, a instituição, mesmo que não tenha fins lucrativos, se enquadrará na condição de contribuinte do ICMS, estando obrigada ao cumprimento das obrigações principal e acessórias previstas na legislação do imposto estadual.
Relato
1. A Consulente, enquadrada no regime periódico de apuração (RPA), que declara no Cadastro de Contribuintes do Estado de São Paulo – CADESP como atividade principal a de “atividades de organizações associativas patronais e empresariais” (CNAE 94.11-1/00), relata que possui como objetivo favorecer o mercado alimentício e garantir o abastecimento alimentar em todo o Brasil, nos moldes da Lei 11.346/06 que institui o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN.
2. Informa ainda, que realizará a compra e venda de produtos alimentícios para supermercados em geral e outros revendedores, visando beneficiar o consumidor final em relação a segurança alimentar.
3. Acrescenta a Consulente, que o objetivo da consulta é questionar a incidência do ICMS nas operações de compra e venda de produtos para supermercados e outros revendedores essenciais para o ramo alimentício em face da hipótese de imunidade baseada no artigo 150, inciso VI, alínea "c" da Constituição Federal de 1988.
4. A Consulente cita a tese decorrente do Recurso Extraordinário (RE) 608.872, do Supremo Tribunal Federal (STF), e afirma que seria contribuinte de direito nas hipóteses em que adquire e vende mercadorias para a efetiva consecução de suas atividades dentro do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN.
4. Manifesta também, entendimento de que a interpretação do Recurso Extraordinário (RE) 608.872 quanto à imunidade contida no artigo 150, inciso VI, alínea "c" da Constituição Federal, é aplicável às operações de compra e venda.
5. Por fim, requer manifestação dessa Consultoria sobre a aplicação da imunidade contida no artigo 150, inciso VI, alínea "c" da Constituição Federal de 1988 nas operações apresentadas.
Interpretação
6. Inicialmente, informamos que a resposta será dada em tese, uma vez que a Consulente (i) não detalha as operações, tampouco informa a descrição e a classificação fiscal segundo a Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) das mercadorias virá a adquirir, limitando-se a citar genericamente a imunidade constitucional prevista na alínea “c” do inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal (CF/1988), (ii) alega possuir o CNAE 4639-7/01 - Comércio atacadista de produtos alimentícios em geral – porém a validação desse CNAE está pendente de confirmação junto à Receita Federal do Brasil – conforme consulta realizada junto ao CADESP em 17/04/2024, (iii) não apresenta documentos probatórios de sua situação como instituição de assistência social, nos moldes confirmação de sua relação junto ao cadastro de entidades vinculadas ao SISAN, assim como não apresenta certificação da associação como entidade de assistência social, nos moldes da alínea “c” do inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal (CF/1988).
7. De forma introdutória, cabe esclarecer que a imunidade prevista na alínea “c” do inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal (CF/1988), é relativa à não incidência de impostos sobre patrimônio, renda e serviços, relacionados às finalidades essenciais das entidades de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, que cumpram os requisitos da lei.
8. Nesse ponto, importante observar que o inciso II do artigo 146 da CF/88 estabelece que as limitações ao poder de tributar devem ser reguladas por meio de lei complementar. Assim, coube ao CTN (que foi recepcionado com status de tal espécie normativa), em seu artigo 14, a definição dos requisitos necessários para que as entidades possam usufruir da imunidade aqui tratada. Quais sejam: i) não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; ii) aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; iii) manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.
9. Posto isso, conclui-se que para ser abarcada pela imunidade disposta na alínea “c” do inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal (CF/1988), a Consulente deve cumprir todos os requisitos expostos para as entidades de assistência social sem fins lucrativos.
10. Ressalta-se, entretanto, que mesmo a entidade de assistência social sem fins lucrativos, detentora dos requisitos indicados no artigo 14 do CTN pode revestir-se da condição de contribuinte do imposto, nos termos do artigo 9º do RICMS/2000, na medida em que comercializar mercadorias em volume que caracterize intuito comercial. E, assim, o estabelecimento que praticar as referidas operações deve se submeter a todas as demais regras do RICMS/2000, inclusive quanto às respectivas obrigações principal e acessórias estabelecidas nesse regulamento, como a emissão de Nota Fiscal com o respectivo destaque do imposto devido (artigo 498 do RICMS/2000).
11. Prosseguindo, este Órgão Consultivo tem entendido, em análise aos critérios estabelecidos pelo artigo 150, inciso VI, alínea "c", e § 4º, da Constituição Federal, que esse dispositivo constitucional proíbe, tão-somente, a cobrança de impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços das entidades ali especificadas.
12. A imunidade constitucional referida é prevista apenas para as hipóteses que gravam diretamente o patrimônio, a renda e os serviços dessas entidades, como acontece com o Imposto Territorial e Predial Urbano (IPTU) e o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), que recaem sobre o patrimônio, ou com o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, que grava a renda auferida em determinado período. Ressalte-se que, nesses casos, a imunidade será aplicada quando o objeto da obrigação tributária, a ser afastada, estiver necessariamente relacionado com as finalidades essenciais da entidade.
13. Por sua vez, o ICMS, afora as prestações de serviços de transporte intermunicipal e interestadual e de comunicação, tem como objeto as operações relativas à circulação de mercadorias, não se enquadrando, assim, no conceito de impostos sobre o patrimônio, a renda e serviços. Dessa maneira, o ICMS não se encontra sob o abrigo da imunidade prevista no artigo 150, VI, “c”, da Constituição Federal.
14. Essa interpretação encontra respaldo nas reflexões do Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho, em sua obra: "Comentários à Constituição de 1988 – Sistema Tributário", 6ª edição, página 349: Versão 1.0.94.0 "A imunidade das instituições de educação e assistência social as protege da incidência do IR, dos impostos sobre o patrimônio e dos impostos sobre serviços, não de outros, quer sejam as instituições contribuintes “de jure” ou “de facto”. Destes outros só se livrarão mediante isenção expressa, uma questão diversa".
15. Nota-se, outrossim, que a tese decorrente do RE 608.872 do STF, citada pela Consulente, define que a imunidade tributária subjetiva aplica-se a seus beneficiários na posição de contribuinte de direito, mas não na de simples contribuinte de fato, sendo irrelevante para a verificação da existência do beneplácito constitucional a repercussão econômica do tributo envolvido.
16. Todavia, é oportuno elucidar que, apesar de entidade assistencial sem fins lucrativos, quando no exercício das atividades apresentadas pela Consulente – comercialização de produtos – se apresentar como contribuinte de direito nas operações abarcadas pelo ICMS; a tese ora apresentada se refere aos impostos sobre patrimônio, renda e serviços, não se aplicando portanto, ao ICMS; inclusive com expressa disposição legal, conforme § 4º do artigo 150 da Constituição Federal de 1988 (“as vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas”).
17. Com esses esclarecimentos, consideram-se respondidos os questionamentos trazidos pela Consulente.
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